O número de crianças que vivem em contextos de vulnerabilidade de saúde mental está a aumentar devido ao predomínio da presença de doenças mentais na população em geral (Gútiez, Sánchez, & Sierra, 2011).
Apesar de nem todas as crianças filhas de pais com doença mental experienciarem dificuldades, o seu risco de desenvolverem uma doença mental, em crianças, na adolescência ou vida adulta, é três vezes maior do que a população em geral (Gehrmann & Sumargo, 2009; Manning & Gregoire, 2009). Este risco pode dever-se à combinação de diferentes fatores como: a predisposição genética, as adversidades psicossociais, a idade da criança e o seu patamar de desenvolvimento, a qualidade das relações familiares, a severidade e cronicidade da perturbação psiquiátrica parental, assim como, o envolvimento de outros cuidadores nas rotinas da criança (Kowalenko, 2009).
Efetivamente, os níveis de stresse e o impacto sentido nas crianças que vivem em contextos de vulnerabilidade de saúde mental por parte do pai/mãe, pode ser comparado aos níveis de stresse das crianças que vivem com pais com doenças somáticas graves ou crónicas (e.g., diabetes, cancro, doenças do coração). A grande diferença reside no facto de que a maioria destas últimas são melhor aceites pela sociedade, existindo uma maior compreensão quer por parte da criança, quer pelo paciente em relação à doença mental. Para além disso, nestes casos, torna-se mais claro para as crianças compreender que não são responsáveis pela doença dos pais.
Dentro dos poucos estudos que analisam especificamente a perspetiva da criança, foram referidos, nos seus autorrelatos aspetos como “obter ajuda mais cedo”, “ter aconselhamento”, “dialogar sobre os seus sentimentos”, “comunicar”, “encontrar alguém em quem possa confiar”, “ter amigos” e, acima de tudo, que reforçassem que “a culpa da doença mental dos pais não é delas” (Riebschleger, 2004). Outro estudo sobre a vivência de pré-adolescentes e adolescentes com pais com esta problemática, revela, também, autorrelatos direcionados a temas centrais como “lutar para entender a doença”, “gerir a doença”, “reconhecer os sinais” e o “impacto da hospitalização dos pais” (Garley, Gallop, Johnston, & Pipitone, 1997).
Importa, por isso, destacar que a criança precisa de ter oportunidade para perceber o que se está a passar e não só que, por exemplo, a mãe está deprimida, ou que o pai tem alucinações; precisa de ser capaz de distinguir o comportamento relacionado com a doença do comportamento normal (saudável) por parte dos pais, assim como, compreender que também tem direito a expressar sentimentos saudáveis de raiva, deceção parental, desilusão, tristeza, tudo isto com a supervisão e apoio de profissionais (Stenghts, 2010). Desta forma, evidencia-se a necessidade de se desenvolverem intervenções no sentido da promoção de estratégias de coping que permitam à criança lidar com esta situação, bem como, fornecer informações sobre as dificuldades derivadas da doença mental dos pais e sua reabilitação (Gehrmann & Sumargo, 2009; Kelly, Jorm, & Wright, 2007).
Assim, o SIM sugere que um primeiro passo para as crianças deixarem de ser “invisíveis” aos olhos dos profissionais de Saúde Mental e Psiquiatria – contribuindo para que estes serviços passem a centrar-se na família -, passa por reconhecer e identificar as crianças filhas dos clientes dos seus serviços, bem como, por considerá-las na sua intervenção, dando voz às suas opiniões, experiências e necessidades (Gladstone et al., 2006b; Maybery & Reupert, 2009).
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Garley, D., Gallop, R., Johnston, N., & Pipitone, J. (1997). Children of the mentally ill: a qualitative focus group approach. Journal of Psychiatric & Mental Health Nursing, 4(2), 97-103. doi:10.1046/j.1365-2850.1997.00036.x
Gehrmann, J., & Sumargo, S. (2009). Kinder psychisch kranker Eltern. Children of mentally ill parents., 157(4), 383.
Gútiez, P., Sánchez, C., & Sierra, P. (2011). Kids Strengths: niños en contextos de enfermedad mental parental. Revista Educación Inclusiva, 4(1), 11-22.
Kids Strengths (2010). O Impacto da Vulnerabilidade de Saúde Mental dos Pais nas Crianças. Disponível em http://www.strong-kids.eu/index.php?menupos=7. Acedido a 29-8-2017.
Kelly, C. M., Jorm, A. F., & Wright, A. (2007). Improving MH literacy as a strategy to facilitate early intervention for mental disorders. Med J Aust, 187(7), s26 – s30.
Kowalenko, N. (2009). Children Aged 0-5 with a Parent Who Has a Mental Illness – the Need for Early Intervention. Australian e-Journal for the Advancement of Mental Health, 8(3), 215.
Manning, C., & Gregoire, A. (2009). Disorders and their context: Effects of parental mental illness on children. Psychiatry, 8, 7-9. doi:10.1016/j.mppsy.2008.10.012
Riebschleger, J. (2004). Good days and bad days: the experiences of children of a parent with psychiatric disability. Psychiatric Rehabilitation Journal, 28(1), 25-31 27p.